Tunísia: tirar as lições após quatro anos de efervescência revolucionária

Relatório da delegação da RCIT- para o Fórum Social Mundial em Tunis, março de 2015

Corrente Comunista Revolucionária Internacional (em inglês-RCIT), 31/03/2015, www.thecommunists.net

 

A Corrente Comunista Revolucionária Internacional (RCIT) enviou uma delegação para participar do Fórum Social Mundial (FSM), que teve lugar de 24 a 28 março de 2015, em Tunis. Várias dezenas de milhares de pessoas participaram neste evento em que aconteceram duas manifestações oficiais, bem como centenas de reuniões e workshops. Entre as organizações participantes estavam sindicatos associados à Central tunisiana UGTT, assim como as organizações de trabalhadores de outros países, os partidos políticos,  assim como os vários partidos "comunistas" da Tunísia e do Partido reformista da Esquerda Europeia (que participaram através do seu denominado rede transformar), organizações estudantis, como a Tunisiana UGET, várias associações de tendências islâmicas, organizações de refugiados, e muitos outros.

A maioria dos participantes veio da Tunísia e muitos outros chegaram da Argélia. Havia também consideráveis delegações do nacionalmente oprimido povo saraui da parte ocidental do Sahara, bem como delegações de Marrocos e Síria. É certamente justo dizer que cerca de 95% dos participantes vieram da região do Magrebe*. Por esta razão, o evento foi extremamente interessante, tendo em conta os processos revolucionários, incluindo as derrotas contra-revolucionárias, que a classe trabalhadora e os pobres nesta região sofreram durante os últimos quatro anos.

O Fórum Social Mundial-FSM foi certamente um evento contraditório. As forças que dominaram a comissão organizadora seguiram uma política completamente reformista que se expressava em sua estreita colaboração com o governo burguês da Tunísia sob o presidente Beji Caid Essebsi, um veterano de 88 anos de idade da velha guarda da ditadura de Ben Ali. Os organizadores vergonhosamente aderiram à campanha do governo, que lançou uma campanha reacionária pedindo "unidade nacional contra o terrorismo" após o ataque contra turistas ocidentais em Túnis, em 18 de março.

Como explicamos na declaração que emitimos antes de nossa partida, o RCIT condena tais ataques terroristas, mas recusa-se veementemente a qualquer unidade com o governo reacionário do presidente Essebsi. Também, condenamos a hipocrisia pró-imperialista, que derrama lágrimas de crocodilo para as duas dezenas de turistas ocidentais mortos no ataque, mas que não consegue se fazer o mesmo pelas muito mais numerosas vítimas dos principais terroristas – Obama e o imperialismo norte-americano, de Hollande e do imperialismo francês, de Nethanyahu e do estado de Apartheid de Israel, de Putin e do imperialismo russo, bem como de Assad, al-Sisi e outros lacaios das grandes potências imperialistas. (1)

O FSM refletiu a contínua luta da Revolução Árabe em confrontos ocorridos durante a conferência entre um pequeno grupo de apoiadores reacionários do ditador sírio Assad e simpatizantes da Revolução Síria. Vergonhosamente, a maior parte da esquerda árabe - influenciada pela tradição do stalinismo e do seu apoio às burguesas, falsas ditaduras "anti-imperialistas" no Oriente Médio - não conseguem tomar uma posição progressiva da revolução síria em curso.

O FSM também testemunhou confrontos entre membros do povo saraui, que lutam pelo direito à auto-determinação nacional, e chauvinistas marroquinos reacionários.

Apesar dos seus aspectos negativos, o FSM foi um evento extraordinário, uma vez que refletia o enorme processo de politização em que a Tunísia (e outros países do Magrebe) foram submetidos, nos últimos quatro anos, desde o início da Revolução Árabe. Na verdade, esse processo revolucionário, iniciou-se na Tunísia após o gesto desesperado do vendedor ambulante de   26 anos, Mohammad Bouazizi, que se suicidou colocando-se em chamas em Sidi Bouzid (município da Tunisia), em 17 de dezembro de 2010, para protestar contra as péssimas condições em que ele e tantos outros foram, e são forçados a viver. Várias semanas de enormes e muitas vezes violentos protestos de massa finalmente levaram à derrubada da ditadura de Zine El Abidine Ben Ali, em 14 de janeiro de 2011. (2)

No entanto, a falta de uma liderança revolucionária permitiu à classe dominante estabilizar a situação e iniciar um processo de uma formal contra-revolução "democrática". Esta ausência de uma força revolucionária se reflete na política de frente popular reformista dos vários partidos "comunistas" - a maioria deles são de uma orientação maoísta ou Hoxhaist, seguidores de Enver Hoxa-antigo líder estalinista de Albânia, (como o PCOT, Watad, Al-Qotb, etc.) ou pertencem à tradição centrista da mandelista "Quarta Internacional" (como o Liga da Esquerda Comunista- "Ligue de la Gauche Ouvrière").

Independente destes contratempos, o FSM refletiu a existência de uma enorme camada de, na maioria jovens revolucionários - muitos oriundos de tendências comunistas, mas também muitas vezes partindo tendências nacionalistas ou islâmicas –os quais estão ansiosos para procurar novas respostas. Muitos jovens comunistas deixaram os partidos existentes e estão à procura de alternativas. Muitos dos que ainda estão como membros desses grupos estão abertos às discussões sobre a sua experiência passada.

No seu estande dentro do FSM, a delegação do RCIT teve a oportunidade de vivenciar a ânsia desta nova geração de jovens revolucionários. Vários milhares de pessoas visitaram nosso estande, e centenas se inscreveram para receber mais informações sobre nossa organização. Nossa literatura de língua árabe estava esgotada depois de dois dias e, ao final do evento, quase não havia qualquer material em língua Inglesa. Estes dias foram cheios de discussões quase ininterruptas com estes revolucionários, em sua maioria jovens que estão ansiosos para construir uma nova autêntica organização revolucionária, comunista.

A delegação do RCIT também foi convidada para discussões com líderes do POCT Hoxahista na sede do partido em Tunis. Independentemente das diferenças programáticas fundamentais que temos com esses camaradas, isso permitiu-nos obter uma melhor compreensão da luta de classes no país e da política da sua organização.

O RCIT aguarda a aprofundar as suas discussões e colaboração com os revolucionários na região do Magrebe.

 

*Fonte- http://pt.wikipedia.org/wiki/Magrebe:Em sentido estrito, ("Pequeno Magrebe" ou Magrebe Central) inclui Marrocos, Sahara Ocidental, Argélia e Tunísia. O Grande Magrebe inclui também a Mauritânia e a Líbia. Na época do Império Romano, era conhecido como África menor.

 

Notas de rodapé:

(1) Ver este arigo  do RCIT(em inglês): Os principais terroristas são Obama, Hollande, Putin, Assad, e al-Sisi! Nós rejeitamos a declaração da Comissão Preparatória para o Fórum Social Mundial em Tunis sobre o atentado terrorista  de 18 de Março, 2015/03/21, http://www.thecommunists.net/rcit/critique-wsf-pc/

(2) Ver este artigo do RCIT em nosso livro de língua alemã por Michael Pröbsting: Die Revolution halbe. Lehren und des Perspektiven Arabischen Aufstandes, http://www.thecommunists.net/publications/werk-8/