Turbulência política às vésperas do 57º aniversário da ditadura militar

 

 

Declaração da Corrente Comunista Revolucionária (seção brasileira da CCRI/RCIT), 1 de abril de 2021, Corrente Comunista Revolucionária Internacional (RCIT), http://elmundosocialista.blogspot.com/

 

 

 

Na manhã do dia 30 deste mês, véspera do 57º aniversário do nefasto golpe militar de 31 de março de 1964, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo Silva, e os comandantes do Exército, Marinha e da Aeronáutica.

 

Na véspera, o presidente foi obrigado a demitir do chanceler Ernesto Araújo. Araújo foi o principal representante no exterior da submissão do governo Bolsonaro ao ex-presidente dos EUA Donald Trump, chegando a fazer declarações de que a eleição de Joe Biden foi através de fraude, causando imediatamente uma crise com o novo governo antes mesmo de Biden tomar posse. Além disso, ele se sentiu muito à vontade para proferir várias ofensas ao governo da China e ao seu embaixador no Brasil durante seu mandato. Essas atitudes assustaram-se profundamente o poderoso setor de agronegócio exportador, temeroso de perder negócios bilionários com as vendas de commodities para o Império do Meio. 1 Pelo menos metade do congresso nacional é formado por latifundiários.

 

O presidente estava sentindo o perigo de um iminente processo de impeachment não apenas como resultado da derrota de Trump, mas também por estar sendo considerado o principal responsável pelo número de mortos da Covid-19 (318 mil). Genocídio é o nome mais comum com que hoje é chamado o presidente. O país vive há alguns anos uma crescente crise econômica e que se agravou diante da pandemia com o aumento da inflação que atingiu quase 5% em 2020, uma queda devastadora do PIB em menos de 4,1%, desemprego na faixa de 15% da população ativa (14 milhões de pessoas), desvalorização da moeda frente ao dólar chegando a 40%, e consequentemente um forte aumento da fome e da miséria da população.

 

No entanto, o fator que desencadeou ainda mais tal crise no governo Bolsonaro foi o retorno à cena do ex-presidente Lula da Silva depois que o Supremo Tribunal Federal, em decisão ainda provisória, cancelou o julgamento em que foi condenado. Um Julgamento considerado uma espécie de lawfare e cheio de imparcialidade por parte do juiz Sergio Moro, inclusive noticiado pelo jornal New York Times que num artigo considerou o juiz como aquele que “perverteu o sistema judiciário brasileiro”. 2 O retorno de Lula enfureceu o presidente Bolsonaro. Consta que exigiu do, agora demitido, ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo Silva, uma declaração de repúdio ao Supremo Tribunal Federal por ter liberado Lula, o qual foi categoricamente rejeitado tanto pelo ministro como pelos demais comandantes das Forças Armadas.

 

A demissão do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas ocorreu nesse turbulento contexto. Mas isso não é garantia para Bolsonaro de que no futuro os substitutos apoiarão um golpe dentro do golpe para permitir a ascensão do ex-capitão com o objetivo de estabelecer uma explícita ditadura bonapartista. O Brasil não é Mianmar. A burguesia financeira nacional sabe que a nova administração norte-americana de Joe Biden não confia em Bolsonaro. A União Europeia, com Macron, presidente da França, à frente, lidera a rejeição ao presidente supostamente reivindicando a defesa da Amazônia, mas na verdade é por motivos eleitorais e está conseguindo atrasar um acordo bilionário da UE com o Mercosul.

 

A situação atual pode ser assim resumida: A direita tradicional representada pelos partidos burgueses PSDB, PMDB, PP, DEM, tradicionalmente opositores do Partido dos Trabalhadores, não tem força para se impor como protagonista dessa disputa. Os setores de esquerda como PT, PSOL, PCdoB etc, também não atingem essa condição. Muito menos condição tem a extrema direita que tende a apoiar o presidente, tais como o PSL, Partido Republicanos, o Partido Novo, etc.

 

Esse impasse demonstra que não há possibilidade de um impeachment imediato, pelo menos por enquanto. No entanto, as consequências dos eventos desta semana podem apontar para as seguintes probabilidades :

 

1) Um possível impeachment colocando no poder o Vice-Presidente Geral Mourão, o que é difícil porque é considerado por todos como um processo que leva meses.

 

2) Destituição imediata do presidente por incapacidade total do exercício do cargo.

 

3) Um governo Bolsonaro que chegará até 2022 com instabilidade permanente, sem condições de se impor como ditador, mas também não muito enfraquecido.

 

O sonho de grande parte da esquerda reformista brasileira é uma nova aliança com a direita tradicional. Lula da Silva Já fez um discurso em 10 de março, logo após a decisão do Supremo Tribunal, em que aponta esse caminho, isto é, a construção de uma forte Frente Ampla com os mesmos setores realizaram o golpe de estado parlamentar em 2016 e que abriu o caminho para a ascensão da extrema direita na pessoa de Jair Bolsonaro.

 

Tal aliança não é de forma alguma do interesse dos trabalhadores e oprimidos. Seria uma aliança em que para possibilitar a derrota de Bolsonaro terá como condição que as esquerdas não atrapalhem as chamadas reformas econômicas neoliberais.

 

Nós da Corrente Comunista Revolucionária, seção brasileira da CCRI/RCIT, consideramos importante resistir fortemente a qualquer tentativa do Bolsonaro de endurecer o regime por meio de um golpe dentro do golpe. No entanto, também rejeitamos uma Frente Ampla com os setores da direita tradicional, justificada com o argumento da luta contra o fascismo. Na prática, tal aliança serviria apenas para intensificar mais medidas econômicas neoliberais. A tarefa de derrotar o regime de Bolsonaro e suas milícias de extrema direita é dos trabalhadores de forma organizada e não com os partidos de direita e da burguesia. Rejeitamos também um simples processo de impeachment. Não preferimos o General Mourão ao Bolsonaro!

 

Chamamos as esquerdas e os sindicatos para irem à ofensiva e se mobilizarem para um plano de luta, incluindo greves de massas e greves gerais. Esse plano deve incluir reivindicações democráticas, sociais, econômicas e de saúde.

 

Propomos lutar por um governo operário e popular baseado em conselhos e milícias populares. Chamamos as esquerdas e os sindicatos a lutar por tal perspectiva, em vez de quaisquer alianças eleitorais traiçoeiras com os setores da direita.

 

Na verdade, o que preciso é a construção de um independente eautêntico partido revolucionário – tanto em âmbito nacional como internacional. A CCRI/RCIT faz um chamado aos ativistas revolucionários no Brasil e no mundo a se unirem na base de um programa de luta contra a atual ofensiva reacionária da burguesia.

 

 

 

1 Império de Meio: Antiga denominação com referência à China

 

2 A Operação Lava-Jato não foi uma bala mágica. O maior esforço anti-corrupção do mundo não conseguiu parar a corrupção endêmica no Brasil. Por Gaspard Estrada:

 

https://www.nytimes.com/2021/02/26/opinion/international-world/car-wash-operation-brazil-bolsonaro.html?smid=tw-nytopinion&smtyp=cur

 

Direcionamos nossos leitores ao nosso artigo: Michael Pröbsting: Golpes Militares e Táticas Revolucionárias: Alguns Pensamentos Teóricos sobre Diferentes Tipos de Golpes no Período Atual e as Conseqüentes Tarefas dos Revolucionários Marxistas, 5 de dezembro de 2017, https://www.thecommunists.net/home/portugu%C3%AAs/golpes-militares-e-taticas-revolucionarias/